NOS BASTIDORES DA IDENTIDADE INSTITUCIONAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL, IP

NOS BASTIDORES DA IDENTIDADE INSTITUCIONAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL, IP

 

Marca PC IP (2024)
Francisco Providência

A identidade institucional do Património Cultural Português apresenta, desde a sua origem (1980-2024), um desenvolvimento ideográfico em sete estágios que parece confirmar a teoria ondulatória da evolução diacrónica da História de Arte, em que a uma época “dionisíaca” (orgânica e sensual), sucede outra “apolínea” (inorgânica e racional). Dionísios, o deus do inconsciente só́ acessível pela alienação, opõe-se ao seu irmão Apolo, deus da consciência e da ordem, segundo Friedrich Nietzsche.

Na sua teoria “abstração e empatia”, Wilhelm Worringer reconhece a abstração expressionista da arte como reveladora de uma comunidade ameaçada (pela guerra ou pela natureza), opondo-se à empatia realista, própria de uma comunidade dominante (pela ciência e tecnologia), comum às sociedades prósperas e acríticas, em período de paz.

Assim, se a primeira marca do IPPC [1] representa uma árvore geométrica, plana, abstrata e estrutural, a segunda, do IPPAR [2], evidencia a linearidade curvilínea concordante, da estrutura de um pórtico gótico em volume mostrando-se, consequentemente, mais empática. À marca do IPPAR [3] (1992) sucede uma outra (2004) onde a alegoria da janela manuelina, desenhada de modo plano e inscrita num quadrado, parece apelar a uma expressão funcionalista de aplicação tipográfica ortogonal, expressão apolínea de abstração. Três anos depois, sofrendo alterações estruturais e passando a designar-se IGESPAR [4] (2007), a gestão do património recebe identificação pela marca tipográfica, sem alegorias icónicas, em que o “g” minúsculo faz a ligação entre IGES e PAR, envolvendo o “p” com a sensualidade orgânica da sua cauda, manifestando-se, por isso, dionisíaca e empática. Sucedendo-se ao IGESPAR, o DGPC [5] (2012), apresenta-se agora pragmático, pela inscrição da designação reduzida ao logótipo de duas palavras, robustamente inscritas em maiúsculas e articuladas em bloco de duas linhas, com enfático acento aberto sobre o “o”. O caráter linguístico estruturalista constitui uma aptidão funcionalista e, consequentemente de natureza apolínea e abstrata. A criação do FSPC [6], Fundo de Salvaguarda do Património Cultural (2022), marcado por bandeira pictográfica em verde, manifesta-se empática assim reconvocando Dionísio na sua figuração. A nova reorganização do Património Cultural, sob o Decreto-Lei n.º 78/2023, de 4 de setembro, implicou uma reflexão, quer sobre o passado da instituição, quer sobre a construção estratégica do seu futuro através do PC IP [7].

Em harmonia com o programa do 23º Governo Constitucional [8], reconhece-se que a agilização da gestão no processo de classificação, conservação, habilitação e acessibilidade do património cultural português, constituirá meio de representação da diferença (identidade) e manifestação de soberania cultural, quer junto dos seus cidadãos quer, internacionalmente, na convicção de que esta representa a garantia (…) do desenvolvimento cultural das comunidades e territórios.

Entende-se assim que, o novo Instituto Público, converge na identificação e proteção do património português (sítios, arquiteturas, arqueologias e imaterialidades), reconhecendo-o como parte da soberania cultural e identitária portuguesa. Justifica-se a sua recente revisão, pelo imperativo de uma maior eficiência de gestão operacional, contribuindo para o desenvolvimento cultural (e económico) das comunidades, do país e da Europa.

Interpretando a missão pública e pertinência da instituição que acaba de nascer, entendemos que a sua identidade visual (marca) deverá observar os valores traduzidos no seu programa:

1. Proteção do património (letra P);
2. Afirmação da cultural (monograma PC);
3. Acessibilidade pública (forma, simplicidade e singularidade da marca);
4. Identidade portuguesa (cores da bandeira nacional);
5. Internacionalização institucional (cores da bandeira nacional).

No desenvolvimento do presente projeto observamos também três ordens de intervenção: sintática, semântica e pragmática.

Sintática A gramática de conformação (morfológica e compositiva), traduz metaforicamente o imperativo contemporâneo da sustentabilidade, pela linguagem gráfica brutalista e lacónica, evidenciando a máxima redução de recursos, enquanto expressão de um tempo ameaçado pela guerra e pelo aquecimento global que provoca, necessariamente, a procura de proteção.

Semântica Interpretando a legislação de suporte à criação do Património Cultural, I.P., reconhecemos cinco valores de missão, atendidos pelo programa de projeto para o desenho da identidade visual, sumariamente representados pelas cores da bandeira portuguesa. A concretização construtivista da forma, traduzida em dois retângulos (“P”), no primeiro dos quais se vê subtraído o semicírculo de representação do “C”, constituindo uma forma alinhada à retórica gráfica minimalista da marca do 23º Governo da República.

Pragmática Considerando o programa do Património Cultural, I.P., pelo incremento da sua gestão operacional, entendemos privilegiar a dimensão operativa da marca, nomeadamente pela criação de um símbolo de inscrição quase quadrada e superfície plana, assim permitindo uma melhor gestão da sua comunicação digital e analógica.

As soluções ensaiadas privilegiam a clareza morfológica, revelando bom desempenho retiniano e elevada resistência à erosão gráfica, apresentam-se, por isso, eficiente solução monocromática (alto contraste) e policromática (cores planas).

A marca PC IP, foi assistida pela tipografia FLAMA, desenhada pelo designer português Mário Feliciano, uma sans serif geométrica que se distingue pela grande versatilidade morfológica – de 50 estilos nas famílias normal, semi-condensado, condensado e ultra-condensado, com 10 diferentes pesos, variando do thin ao black, em redondo e itálico.

Na conclusão desta apresentação, gostaria que se reconhecesse a retórica visual da marca como expressão poética de um tempo, capaz de traduzir o conhecimento, poder e subjetividade (Foucault e Deleuze), que se constituirá como regime de visibilidade e enunciação da contemporaneidade.


[1]IPPC 1980-1992, Instituto Português do Património Cultural (Decreto-Lei n.º 59/80 de 3 de abril), a “cultura” como árvore geométrica (modernista) — apolíneo ou abstrato;

[2]IPPAR 1992-2004, Instituto Português do Património Arquitectónico (Decreto-Lei n.º 106-F/92 de 1 de junho), o património representado por pórtico gótico (estruturalista) — dionisíaco ou empático;

[3]IPPAR 2004-2007, Património Manuelino em janela quadrada (funcionalista) — apolíneo ou abstrato;

[4]IGESPAR 2007-2012, Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, monograma tipográfico “IGESPAR”, sem símbolo (pós-funcionalista) — dionisíaco ou empático;

[5] DGPC 2012-2023, Direção-Geral do Património Cultural (Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de maio), logótipo em maiúsculas distribuído em 2 linhas com enfático acento aberto no “o” (estruturalista funcional) — apolíneo ou abstrato;

[6] FSPC 2022, Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, bandeira pictográfica em verde — dionisíaco ou empático;

[7] PCIP 2024, Património Cultural, Instituto Público (Decreto-Lei n.º 78/2023, de 4 de setembro), monograma tipográfico “PC”/ Bandeira/ Portugal/ (suprematismo, brutalista minimalista), reconciliando os contrários (círculo/ quadrado) — apolíneo ou abstrato;

[8] “a responsabilidade do Estado sobre o Património Nacional é inalienável e transversal, pressupondo (…) a existência de uma instituição capaz da (…) salvaguarda do património arquitetónico, arqueológico e imaterial, classificado ou em vias de classificação, sob tutela da área governativa da cultura (…) tendo em vista a necessária agilidade de atuação e eficácia de gestão do património cultural nacional, designadamente no âmbito da respetiva salvaguarda, valorização, divulgação e internacionalização (constituído por) monumentos, conjuntos e sítios, classificados como monumentos nacionais, considerados de excecional relevância nacional, designadamente sés (ou antigas sés), mosteiros e conventos. (…)

Para uma maior flexibilidade que permita um novo posicionamento estratégico assente na maior eficiência das operações (… de) gestão, salvaguarda, valorização, conservação e restauro do património cultural e eixo fundamental da política da cultura, na convicção de que esta representa a garantia de preservação da qualidade de vida das cidades e das paisagens culturais e, assim, também do desenvolvimento cultural das comunidades e territórios”.


Texto elaborado para a “NEWSLETTER PATRIMÓNIO CULTURAL, I.P.”, nº 1 [abril 2024]. Francisco Providência reflete sobre a evolução das marcas que, desde os anos 80 até ao presente, foram criadas para as instituições responsáveis pelo Património em Portugal e expõe o pensamento e as opções por detrás da identidade visual Património Cultural, I.P., de que é autor. 

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